NÃO TE QUEIXES
«Não te queixes. Recolhe em ti a amargura, não a disperses, não a esbanjes com os outros. Ela é tua, nasceu de ti, da tua miséria, pertence-te como os ossos e as vísceras. Concentra-te nela, absorve-a, faz dela a tua grandeza. Porque só se é grande pelo sofrimento, não pela futilidade do prazer.
As pedras não sofrem, Cristo esteve «triste até à morte». Tem desprezo pelos Homens felizes, porque dos Homens felizes «não reza a história». Só a dor pode medir o teu tamanho de exceção, só ela pode medir o que tu vales. O sofrimento medíocre não dá mais do que a comédia, mas a grandeza da tragédia só pode atribuir-se aos grandes.
Não te aconselho a que vás ao encontro da amargura, mas se ela vier ter contigo, acolhe-a com serenidade. Não sucumbas aos seus golpes, aguenta-os até onde puderes. E se és Homem de verdade, tu a aguentarás.
Também as grandes alegrias são do destino dos grandes, porque elas são irmãs dos grandes sofrimentos. Só os pequenos e mesquinhos se alegram e sofrem com o que é mesquinho e pequeno. Aquilo que é pequeno é impercetível a quem o não é. Que juízo fazem de ti, se sofres com o que é ridículo? Não sofras.
As grandes tempestades, a grande luz solar são a medida da Natureza. Que tu tentes contrariar a alegria que te rodeia na nova Primavera e não o conseguirás. A Terra cumpre-se igual em flores e renovação. Não te queixes. Recolhe-te a ti. E o destino do Homem que te sagrou será a tua perfeição.»
Por Vergílio Ferreira, in Conta-Corrente IV